Recentemente, aflorou-se um conflito político e jurídico pelo domínio do Parque Nacional da Chapada dos Guimaraes/MT, apresentando-se, contendores, a União/Instituto Chico Mendes, de um lado, e o Estado de Mato Grosso, de outro. 576n3c
https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2023/03/07/justica-nega-recurso-da-mt-par-para-assumir-parque-de-chapada-dos-guimaraes.ghtml
Curiosamente, ao longo desses mais de 40 (quarenta) anos de existência do parque ambiental federal, é a primeira vez que o Estado de Mato Grosso manifesta-se, de forma inequívoca e aparente, seu interesse em assumir a responsabilidade istrativa e política por esse importante bioma nacional e regional.
O fato seria motivo de júbilo e orgulho para os brasileiros aqui residentes, sem qualquer “pachequismo” (e viva o Jô Soares). No entanto, como diria o Conselheiro Acácio, tem formiga nesse pau!
Lembro-me, quando da minha remoção da 2ª Vara Federal da Seção do Judiciária do Estado de Rondônia para a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso no ano de 1997, que um dos primeiros processos a decidir referia-se a indenizações devidas a proprietários e possuidores de imóveis incrustados no perímetro do então Parque Nacional da Chapada dos Guimarães/MT. Decidi e sentenciei alguns daqueles processos, que tinham a União interessada em consolidar um dos ícones ambientais mais representativos de Mato Grosso e do País (o bioma cerrado).
Porém, aquele ímpeto inicial da istração Federal tornou-se parcimonioso e bem mais modesto ao longo das décadas que se sucederam. Beirou o escárnio, pois as indenizações cessaram, a edificação do parque virou folclore e o abandono consolidou-se com a ausência de recursos e istração do Ibama/Instituto Chico Mendes sobre a área ambientalmente protegida.
A Chapada dos Guimarães virou apenas o local do Festival de Inverno, com edições, inclusive, muito ruins.
aram-se os anos e tudo que fora sonhado e esperado pela população matogrossense simplesmente não aconteceu. Nesse sentido, é óbvia a sua frustração do povo pantaneiro, e também amazônico e do cerrado. Daí a referência ao júbilo se o Governo do Estado assumisse o domínio do Parque Federal, incorporando-se-o ao seu patrimônio, garantindo-lhe a fluência de recursos e uma istração mais próxima aos matogrossensenses.
Deve-se sempre registar que Mato Grosso, um dos maiores Estados brasileiros em extensão e de biodiversidade, alberga a Amazônia, o Pantanal Matogrossense e o Cerrado. Uma riqueza de ecossistemas e biodiversidade a demandar exímias políticas públicas de preservação ambiental e de desenvolvimento e exploração econômica sustentável e equilibrada, propiciando meio ambiente e sustentabilidade da população local. Uma simbiose cada vez mais exigida pelo direito internacional e pela economia global. Sem preservação do meio ambiente não há abertura dos mercados americano, asiático e europeu às
commodities brasileira. Ou seja, as relações ambientais e econômicas estão umbilicalmente interligadas na globalização.
Sob a ótica da interdependência acima destacada, o Estado de Mato Grosso não tem sido um exemplo positivo. Ao contrário, possui os maiores índices de desmatamento, impunidade avassaladora de criminosos ambientais, é o Estado do fogo (burning state), tendo o Pantanal sentido as agruras do descaso governamental federal e estadual nesses últimos quatro anos, e onde o cerrado foi devastado pela soja e atividades agropastoris absolutamente predatórias. Isso sem falar nas terras indígenas transformadas em áreas de pilhagem pela istração da União que se findou em 31 de dezembro de 2022, com a cumplicidade e incentivo explícitos do governo estadual. A omissão do Ministério Público e dos órgãos de controle ambiental é digna de registro.
A comprovar a barbárie ambiental, que se instalou no país e no Estado de Mato Grosso a partir de 2018, recentes matérias jornalísticas trouxeram a público a devastação imposta ao cerrado mato-grossense pela sojicultora e pela presença deletéria de garimpos legais e, na maioria, ilegais nas áreas desse importante bioma nacional.
O Cerrado está sendo dizimado e, atualmente, de todos os ecossistemas nacionais, é o mais ameaçado de extinção, tanto do ponto de vista florístico quanto da fauna. O lobo-guará é bem provável que se torne personagem apenas da nota de duzentos reais, que o brasileiro nunca teve em mãos, de fato. Eu nunca tive!
O cenário descrito, sem qualquer dúvida, já coloca aspas na intenção do Governo do Estado de Mato Grosso em assumir a titularidade dominial sobre o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.
O fato ganha maior desconfiança ainda quando se constata a presença de um enorme garimpo no entorno do parque, de duvidosa legalidade e sem que tenha sido incomodado pelo Ministério Público (Federal ou Estadual) e/ou pelos órgãos de controle ambiental (SEMA, IBAMA e/ou ICMBIO). Quando se olha a esplêndida paisagem a partir da Chapada, o garimpo, dizem que se chama “aricazinho (?)”, é o ponto mais proeminente do relevo daquilo é o exemplo a ser preservado do bioma cerrado. Que coisa hein!
Não custa lembrar que o Parque do Cristalino, representativo do bioma amazônico, após ter a sua titularidade dominial da União Federal para o Estado de Mato Grosso, teve a sua área reduzida sem qualquer justificativa e foi objeto de regularização de atividades absolutamente incompatíveis com a preservação ambiental e desenvolvimento econômico sustentável em prol da população local. Será que também o parque da Chapada dos Guimarães terá o mesmo destino?
A Chapada dos Guimarães merece respeito, preservação e recursos.
Como dito acima, tem formiga nesse pau!
Julier Sebastião da Silva é advogado e ex-juiz federal em Cuiabá
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